A presença digital é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa para médicos e clínicas no Brasil. Ela permite educar a população, construir autoridade e estreitar o relacionamento com os pacientes. No entanto, diferentemente de outros setores, a publicidade médica é regida por normas rigorosas estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), visando proteger a sociedade e a dignidade da profissão. Ignorar essas regras pode resultar em advertências, suspensões ou até a cassação do registro profissional.

Com a Resolução CFM nº 2.226/2019, que revogou a anterior (CFM nº 1.974/2011), houve uma atualização e um certo relaxamento em alguns pontos, mas a essência de preservar a ética e o caráter informativo da publicidade médica permanece inalterada. É fundamental que todo profissional e clínica médica conheça em detalhes o que é permitido e o que é proibido para atuar de forma legal e transparente no ambiente digital e offline.

Este artigo aprofundará as principais diretrizes do CFM, oferecendo exemplos práticos e dados para ilustrar a importância do cumprimento dessas normas.

O Princípio Fundamental: Caráter Informativo e Educacional

A pedra angular da publicidade médica no Brasil é o caráter informativo e educacional. Isso significa que qualquer forma de divulgação deve focar na informação relevante para a saúde, na prevenção de doenças, na promoção de hábitos saudáveis e na apresentação de serviços médicos de forma clara e objetiva, sem fins mercantilistas ou sensacionalistas.

O Que PODE Fazer: As Regras Permissivas

A Resolução CFM 2.226/2019 trouxe mais clareza e flexibilidade em algumas áreas, permitindo uma comunicação mais eficaz, desde que éticas.

  1. Divulgação de Títulos e Especialidades:
    • Pode: Anunciar os títulos de especialista registrados no CFM ou na Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), bem como a área de atuação.
    • Exemplo: “Dr. João Silva – Cardiologista (RQE: 12345) e Especialista em Ecocardiografia (RQE: 67890)”. O RQE (Registro de Qualificação de Especialista) é obrigatório e deve ser sempre incluído.
    • Dado: A transparência sobre as qualificações gera maior confiança. Uma pesquisa com pacientes indica que 85% consideram a clareza sobre a especialidade e qualificações do médico um fator decisivo na escolha do profissional.
  2. Uso de Imagens:
    • Pode: Utilizar fotos do próprio médico ou da equipe, da estrutura da clínica (recepção, consultórios), desde que não sejam sensacionalistas ou com fins de auto-promoção excessiva. Imagens meramente ilustrativas de procedimentos (sem antes e depois) são permitidas para fins educacionais.
    • Exemplo: Fotos do consultório moderno e acolhedor, ou do médico em uma palestra educativa.
    • Não pode: Publicar imagens de “antes e depois” de pacientes, mesmo com autorização (abordaremos isso em “O Que NÃO Pode”).
  3. Redes Sociais e Internet:
    • Pode: Utilizar redes sociais e websites para divulgar informações de saúde, artigos, vídeos educativos e dados da clínica. O conteúdo deve ser de caráter informativo e educativo, com linguagem acessível.
    • Exemplo: Um gastroenterologista pode fazer posts explicando a importância da alimentação balanceada, mitos sobre digestão, ou vídeos curtos sobre prevenção de doenças do aparelho digestivo.
    • Dado: Uma pesquisa da Nielsen mostra que 71% dos brasileiros buscam informações de saúde em redes sociais. Estar presente de forma ética é crucial.
    • Importante: Sempre incluir o nome do médico, sua especialidade e o número do CRM.
  4. Participação em Mídias (Rádio, TV, Jornais, Revistas):
    • Pode: Participar de entrevistas e programas como fonte de informação médica, esclarecendo dúvidas e abordando temas de saúde. A apresentação deve ser de forma didática e informativa.
    • Exemplo: Um pediatra concedendo uma entrevista em um telejornal local sobre o calendário de vacinação infantil ou um dermatologista falando sobre os cuidados com a pele no verão.
    • Atenção: É proibido fazer autopromoção excessiva, participar de debates para defender métodos ou produtos específicos, ou anunciar preços de consultas/procedimentos.
  5. Divulgação de Métodos e Técnicas:
    • Pode: Apresentar métodos e técnicas de tratamento, desde que sejam reconhecidos pelo CFM e pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), no caso dos dentistas. Deve-se informar sobre o método de forma objetiva, sem prometer resultados infalíveis.
    • Exemplo: Um ortopedista pode explicar sobre uma nova técnica minimamente invasiva para cirurgia de joelho, descrevendo o procedimento e os benefícios esperados de forma realista.
  6. Endereço e Telefone:
    • Pode: Divulgar claramente o endereço, telefone, e-mail, site e horários de atendimento da clínica ou consultório.
    • Dado: A facilidade de contato é um fator-chave para o paciente. 90% dos pacientes consideram a disponibilidade de contato fácil como um critério importante na escolha da clínica.

O Que NÃO PODE Fazer: As Proibições Essenciais

As proibições visam coibir a mercantilização da medicina e proteger a vulnerabilidade do paciente.

  1. Imagens de “Antes e Depois”:
    • NÃO PODE: Publicar fotos de “antes e depois” de pacientes, mesmo com autorização.
    • Justificativa do CFM: Viola a privacidade do paciente, pode gerar expectativas irreais e estimula o consumismo, desvirtuando o caráter da medicina. A medicina não é uma ciência exata e resultados não são garantidos.
    • Exemplo de Infração: Uma clínica de cirurgia plástica publicando fotos de uma paciente antes e após uma rinoplastia. Essa é uma das infrações mais comuns e severamente punidas.
  2. Garantia de Resultados, Promessas e Apologia a Técnicas Específicas:
    • NÃO PODE: Prometer resultados infalíveis, curas milagrosas ou sucesso garantido para qualquer tratamento. É proibido fazer comparações entre técnicas que impliquem superioridade ou exclusividade.
    • Exemplo de Infração: “Cure a dor de cabeça crônica em apenas 3 sessões!” ou “Minha técnica exclusiva garante o emagrecimento definitivo”.
    • Por que não: Gera falsa esperança no paciente, descredibiliza a ciência médica e fere o princípio da boa-fé.
  3. Divulgação de Preços, Formas de Pagamento e Condições Especiais:
    • NÃO PODE: Anunciar preços de consultas, procedimentos ou pacotes, nem divulgar formas de pagamento ou condições especiais.
    • Justificativa do CFM: A medicina não é um comércio. A remuneração do médico é pautada na qualidade do serviço prestado e na relação médico-paciente, e não na competição de preços.
    • Exemplo de Infração: “Consulta com 20% de desconto nesta semana!” ou “Pacote de tratamentos estéticos: pague em 10x sem juros!”.
  4. Sensacionalismo e Exagero:
    • NÃO PODE: Usar linguagem alarmista, exagerada ou que explore o medo da doença para atrair pacientes.
    • Exemplo de Infração: “Não ignore estes 3 sintomas fatais que ninguém te conta!” ou “A doença silenciosa que está matando milhares de brasileiros”.
    • Por que não: Desvirtua o caráter informativo, gera pânico desnecessário e pode levar à automedicação ou busca por tratamentos não comprovados.
  5. Concorrência Desleal e Difamação:
    • NÃO PODE: Fazer comentários que denigram a imagem de outros profissionais ou serviços de saúde, nem usar a publicidade para promover concorrência desleal.
    • Exemplo de Infração: “Nossa clínica tem o melhor tratamento de [doença], diferente daquele que você encontra em outros lugares”.
    • Por que não: Viola o código de ética profissional e o respeito entre pares.
  6. Uso de Nomes Fantasia Que Sugiram Especialidades:
    • NÃO PODE: Utilizar nomes de fantasia para clínicas ou consultórios que sugiram especialidades ou que possam confundir o público. O nome da clínica deve conter o nome do diretor técnico médico.
    • Exemplo de Infração: Uma clínica de cirurgia plástica que se chama “Beleza Perfeita”, ou um laboratório que se intitula “Análises Super Rápidas”.
  7. Autoelogio, Exaltação ou Superlativos:
    • NÃO PODE: Utilizar termos como “o melhor”, “o único”, “líder”, “exclusivo” ou qualquer tipo de autoelogio que não possa ser comprovado por dados científicos ou que tenha caráter promocional.
    • Exemplo de Infração: “Dr. X é o maior especialista em cirurgia bariátrica do Brasil.”

Consequências da Infração

O desrespeito às normas do CFM pode levar a processos ético-profissionais nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). As penalidades variam conforme a gravidade da infração:

  1. Advertência confidencial.
  2. Censura confidencial.
  3. Censura pública.
  4. Suspensão do exercício profissional por até 30 dias.
  5. Cassação do exercício profissional.

Dados do CFM mostram que, anualmente, centenas de processos são abertos por infrações éticas relacionadas à publicidade, sendo as publicações de “antes e depois” e a promessa de resultados as mais frequentes.

A Importância de uma Estratégia de Conteúdo Ética

A ética na publicidade médica não é uma barreira, mas um norteador para uma comunicação mais eficaz e duradoura. Uma estratégia de conteúdo que respeita o CFM e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) constrói algo muito mais valioso do que um fluxo rápido de pacientes: ela constrói confiança.

Ao focar em conteúdo educativo de alta qualidade, que responde às dúvidas dos pacientes, o médico e a clínica se posicionam como autoridades confiáveis, o que naturalmente atrairá pacientes que buscam ser bem informados e bem cuidados, e não apenas atraídos por promessas.

Conclusão

A publicidade médica no Brasil é um campo sensível que exige conhecimento aprofundado das regras do CFM. É possível e fundamental que médicos e clínicas utilizem o poder da internet e das mídias para se comunicar com o público, mas sempre com foco na ética, na informação e na educação. Ao entender e aplicar corretamente as diretrizes do Conselho Federal de Medicina, profissionais da saúde podem não apenas evitar sanções, mas principalmente construir uma reputação sólida e duradoura, baseada na confiança e no respeito à dignidade da profissão médica e, acima de tudo, do paciente.

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